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Kingdom Come Deliverance 2 (análise) | Uma realeza de RPG

Kingdom Come Deliverance 2 analise
Crédito da imagem: Warhorse Studios

Temos que recuar até 2014 para conhecer as origens desta franquia, que começou como um projeto na Kickstarter, com a promessa de oferecer uma aventura de roleplaying na primeira pessoa, colocando-nos em momentos e acontecimentos do mundo real que nos recuam à, agora extinta, região da Boémia no ano 1403. Lançado em fevereiro de 2018, foi recebido de forma bastante positiva e desde então acumulou mais de 8 milhões de vendas, criando um forte grupo de fãs que aguardavam fervorosamente por uma sequela.

Anunciado em abril de 2024, Kingdom Come Deliverance 2 está agora disponível para PC, Playstation 5 e Xbox Series X/S e, desde o seu lançamento a 4 de fevereiro, já ultrapassou as 2 milhões de vendas em todas as plataformas, tornando-se num autêntico sucesso para o estúdio. Num mercado em que cada vez mais RPGs estão a ser produzidos e lançados, será que este vale a pena o nosso tempo, ou este hype é desproporcional do que esta experiência tem para nos oferecer? Vamos descobrir.


Sobre Kingdom Come Deliverance II

  • Data de lançamento: 4 de fevereiro

  • Plataformas: PC, PS5 e Xbox Series X | S

  • Editora: Warhorse Studios

  • Plataforma de teste: PC

  • Género: RPG / Ação

  • Preço: 59,99€


Bem-vindos a Troski

Vestindo a pele de Henry de Skalitz, começamos a nossa aventura em KCD2 pertencendo à escolta de Lord Hans Capon, um nobre mulherengo e imaturo, com o objetivo de estabelecer uma aliança com Sir Otto von Bergow, um dos nobres mais influentes da região, e, assim, obter o seu apoio na tarefa de libertar o rei Wenceslas da prisão. Esta missão não demora muito a descarrilar completamente, já que uma pausa para descanso perto de um lago antes de chegar ao Castelo de Trosky dá azo a uma emboscada por parte de um grupo de bandidos. Enquanto isso, numa aventura à parte de Henry e Capon no outro lado do lago, estes têm o objetivo de dar uma espreitadela para o banho de umas raparigas que estavam por perto. Além de ficarem desapontados, este distanciamento só permite que eles consigam estar longe o suficiente para apenas conseguir ver os seus parceiros a ser chacinados na emboscada.

Kingdom Come Deliverance análise 1Imagem capturada por Geekinout.pt

Kingdom Come Deliverance análise 2Imagem capturada por Geekinout.pt

Quando os bandidos se apercebem que estava mais gente nas redondezas, o Henry foge com o seu protegido, nadando à máxima velocidade sob uma chuva de flechas, até que somos atingidos por um dos projéteis e ficamos a precisar do apoio urgente de Sir Hans. Esgueirando-se pelo meio das forças inimigas, aproveitando o manto da escuridão, a nossa dupla consegue escapar, mas o ferimento de Henry é sério e precisamos de atenção urgente, acabando por perder os sentidos. Acordando na casa de Bozhena, uma herbalista, ficamos a par do nosso estado, mas também do facto de que Capon está numa situação preocupante. Nesta secção, somos introduzidos a várias mecânicas do jogo, como alquimia, métodos de recuperação para a nossa personagem como ligaduras e poções, entre outros.

Recuperados, mas com um buraco enorme no que toca a dinheiro e mantimentos, despedimo-nos de Bozhena com a promessa que voltaremos, para recompensar a ajuda fundamental que nos prestou, e encaminhamo-nos em direção ao Castelo de Trosky. Infelizmente, somos recebidos ao portão de forma lastimável e enxotados da periferia, acusados de devaneios loucos relacionados com mensagens a Sir Otto von Bergow sobre alianças, quando temos o aspeto de meros sem-abrigo. Cansados e derrotados, está na hora de repensar o plano de ação na vila mais perto, Troskowitz.

Na vila, ficamos a saber que o lorde com quem queremos falar vai participar num casamento iminente na região e essa é a oportunidade dourada para podermos comprovar a nossa identidade e esclarecer tudo. Enquanto isso, Capon, na sua imaturidade que lhe é característica, não consegue deixar de esclarecer que é um nobre e acaba por começar uma luta na taberna local. Interrompida pelas autoridades locais, somos de seguida colocados no pelourinho como punição. Sob uma chuva de objetos arremessados pelos locais, Henry e Capon trocam palavras duras até que chegam à conclusão que está na hora de cada um seguir o seu caminho.

Isto pode parecer muita coisa, mas tudo o que referi é apenas a introdução do jogo, apresentando só algumas das muitas mecânicas de KCD2. Agora que estamos por nossa conta, sem um tostão em nosso nome e desarmados, podemos finalmente trilhar o nosso caminho pela região de Trosky, com o objetivo de chegar ao casamento onde Sir Otto von Bergow vai estar. A verdadeira aventura de Henry está agora a começar.

A história de KCD2 leva-nos a duas regiões distintas, Troski e Kuttenberg, recheadas de conteúdo principal e opcional para nos entreter. Em cada uma das regiões, vamos seguindo uma história que envolve lutas de poder, batalhas sangrentas, momentos emocionais e progressão a nível pessoal das personagens que vale bem a pena acompanhar. Durante toda a história, vamos ter bastantes escolhas chave que definirão alianças, reputação e até a vida ou morte de certos nomes envolvidos no enredo, que mais tarde ou mais cedo irão afetar como alguns momentos se desenrolam. Como é natural, há momentos que são quase 100% estáticos e não modificam muito, independentemente das nossas escolhas, mas isso não é de todo um ponto negativo, já que este jogo é baseado em personalidades reais e a autenticidade histórica é algo que o estúdio quis manter, ainda que algumas liberdades artísticas sejam claramente tomadas.

Kingdom Come Deliverance II análiseImagem capturada por Geekinout.pt

Molda Henry como queres

Um dos pontos fortes de Kingdom Come Deliverance 2 é a liberdade de escolher como queremos avançar no jogo.

No início, não tendo grandes posses em nosso nome tirando os trapos que temos vestidos, o foco inicial é amealhar Groschens, a moeda do jogo, para poder comprar equipamento, mantimentos e armas. Para tal, qualquer bom samaritano vai perguntando pelas cidades fora se há trabalho para fazer ou se alguém precisa de ajuda, e essa é efetivamente uma das maneiras com as quais podemos amealhar uns bons trocos. Mas e se preferires antes andar pelas localidades a roubar cavalos para vender num campo de nómadas? Boa oportunidade de lucro! Roubar tudo o que te aparece à frente, dando pickpockets discretos ou arrombar fechaduras para aceder a baús ou a zonas interditas e vender os artigos roubados? Excelente ideia! Mas toda a ação tem uma reação e ao infligir estes atos ilícitos, os habitantes das diferentes cidades e vilas irão lembrar-se do que se passou e as suspeitas em relação a ti vão acumular, até que as autoridades te vão impedir de vender o que tens contigo. A minha recomendação é: Rouba com moderação!

Mas a versatilidade não termina aqui, as missões do jogo também são uma boa maneira de forjar o teu próprio caminho. Andas atrás de uma pedra com propriedades milagrosas durante imenso tempo a pedido de um NPC. Agora que a conseguiste obter, vamos entrega-la a quem nos pediu? Ou vamos ficar com ela para nós mesmos? A escolha é tua. Muitas das quests têm desfechos diferentes, dependendo das opções que tomares no seu percurso, sendo até possível falhar completamente o objetivo e ter que voltar a um save anterior ou simplesmente dar a causa como perdida e prosseguir em direção à próxima aventura.

Tudo o que fazes em KCD2 contribui para a evolução de Henry. Se galopares para todo lado a cavalo, o teu nível de equitação vai avançando e podes desbloquear skills que melhoram vários aspetos das tuas cavalgadas. Se te embrulhares em lutas constantes com os teus punhos, vais progredindo nos stats de combate desarmado que desbloqueiam maneiras de triunfar mais facilmente nestes tipos de confrontos. És social e gostas de abordar todos que passam pela frente? Isso é perfeito para aumentar o teu nível de Speech que te permite ultrapassar momentos chave de diálogos com maior facilidade. Não mencionando que se optares pela vida do furto, também irás encontrar um monte de habilidades na categoria de Thievery. E estes são apenas alguns dos imensos talentos que podes evoluir para tornar Henry num verdadeiro faz-tudo, talentoso como ferreiro, mestre da alquimia, que aguenta álcool como um campeão e domina de todo o tipo de armas, num sistema de progressão natural que incentiva à exploração e que não envolve tarefas aborrecidas. Se queres ser bom em apenas algumas artes, dedica-te a elas. Não tens que ser bom em tudo e haverá sempre maneira de contornar os pontos menos fortes do “teu” Henry.

Atividades secundárias

A história principal é, por si só, uma experiência que recomendo vivamente a qualquer um, mas além disso, há uma variedade grande de outras missões secundárias e atividades para fazer no jogo. Estas são a melhor maneira de evoluir Henry e proporcionam momentos de todo o tipo, colocando-nos em situações insólitas, hilariantes e/ou assustadoras. A qualidade destas atividades é, de forma geral, muito boa, tendo momentos que rivalizam ou até ultrapassam a história principal, incluindo vários desfechos, múltiplas maneiras de progredir em algumas das missões e não se cingem a ser meras fetch quests aborrecidas com diálogos desinspirados que só servem para inflacionar o tempo de jogo de forma artificial. Estas são histórias mais pequenas, bem executadas e com qualidade, dando uma alternativa a quem quer ajudar a resolver problemas dos cidadãos das regiões de Troski ou Kuttenberg. A missão secundária que mais recomendo a todos é a que envolve reencontrarmos o nosso cão de estimação, Mutt, um parceiro que nos acompanha e podemos usar como um excelente aliado e está quase sempre ao nosso dispor.

Além dessas missões, temos também várias atividades ao nosso dispor, algumas das quais são:

  • Corridas de cavalo que são uma boa maneira de desenvolver as habilidades de equitação, de explorar o mapa e, em caso de vitória, de acumular uns bons trocos;

  • Clubes de luta onde podemos desafiar habitantes de diversas vilas e aldeias usando os nossos punhos, adicionando também uns Groschen à nossa carteira;

  • Locais de caça nos quais caçamos um determinado tipo de animal para acumular carne, pele e outros materiais da nossa presa, que podemos vender ou usar para alimentar o Mutt ou a nós mesmos;

  • Atividades de ferreiro onde podemos fabricar armas ou outros acessórios, aumentando o nosso nível de habilidade que nos permite criar equipamento de maior qualidade e resiliência.

Já para não mencionar que durante as nossas viagens, seja em tempo real ou em fast travel, vamos encontrando algumas situações com as quais podemos interagir. Seja uma emboscada por parte de bandidos, NPCs com adivinhas para nos propor, personagens caricatas com a sua história trágica ou hilariante para contar ou animais selvagens que vêm em nós um prato de carne apetitoso. Tudo isto acrescenta imersão e horas completamente opcionais a KCD2, não sendo apenas uma espécie de botão de pausa da parte boa do jogo, mas sim um bom complemento.

Kingdom Come Deliverance II noiteImagem capturada por Geekinout.pt

Kingdom Come Deliverance II cidadeImagem capturada por Geekinout.pt

Sinfonia de sistemas

O que realmente acrescenta um maior nivel de imersão a este título, é o facto de que Henry pode ser de facto uma personagem importante, mas o mundo não roda à sua volta e todos os NPCs têm as suas rotinas e vidas ao longo de um dia que são completamente independentes das nossas ações. Este não é um sistema novo, como já pudemos observar em jogos tal como Red Dead Redemption 2, mas não é algo que se veja com muita frequência em mundos abertos deste género, que muitas das vezes têm personagens que apenas estão lá para decoração e raramente têm vidas próprias.

Isto também se aplica a interações que os habitantes da Boémia têm em reação à nossa personagem. Por exemplo, se deixarmos alguém inconsciente e este momento for aproveitado para roubar coisas de nosso interesse como dinheiro ou equipamento, essa pessoa irá dar por ela que acordou com menos pertences nos seus bolsos e começará a procurar quem os roubou. E como estes detalhes, temos muito mais que destacam a atenção que o estúdio deu a KCD2 e, quando os sistemas que por vezes nos passam ao lado estão em perfeita sintonia, são eles que fazem a diferença entre um mundo "vivo" de um com apenas sinais de vida superficiais.

Às armas!

O século 15 ainda era uma época em que as batalhas se travavam à maneira antiga. Nada de drones, armas de longo alcance ou tanques.

Não querendo desfazer a autenticidade do jogo, Henry e os restantes inimigos e aliados ao longo da aventura estão equipados com os instrumentos da altura. Podemos encontrar em KCD2 longswords, escudos resistentes, machados e sabres para um confronto mais pessoal, bestas, arco e flecha ou um modelo muito rudimentar de uma pistola para duelos mais à distância. Cada tipo de arma tem os seus prós e contras, criando uma experiência equilibrada onde um tipo de arma não trivializa o resto.

Podemos elevar a maestria de Henry com os diferentes tipo de armas para conseguir tirar o máximo proveito das mesmas, mas, além disso, também podemos encontrar pelo mundo fora certos NPCs que, a troco de uns Groschen ou outro tipo de favor, nos vão ensinando combos e habilidades para adicionar ainda mais capacidade destrutiva aos nossos instrumentos de guerra.

O combate em si é deveras simples. Podemos utilizar várias combinações de ataque que vamos aprendendo, estando apenas dependente da nossa barra de energia que vai desaparecendo a cada bloqueio ou ataque. Podemos também bloquear, contra-atacar e desviar-nos dos ataques dos adversários, tornando cada encontro em quase uma dança. Não é o sistema mais complexo de sempre mas envolve a sua maestria, ainda assim, considero que as lutas sejam o ponto menos bem conseguido do jogo, ao ponto de me levar a evitar ao máximo os confrontos do género e optar por resolver os problemas mais à base do dialogo.

Visuais e Desempenho

As minhas horas vividas na Boémia foram divididas entre o PC e a Steam Deck, que correram o jogo sem problemas:

  • No PC com um Ryzen 7 5800x3d, Radeon RX6800XT e 32GB de RAM, pude meter os gráficos no modo Experimental, que é o modo mais alto disponível, ativando o upscaling disponível (FSR), o que me deixou a rondar os 70-80 FPS. Neste modo podemos ver tudo com o máximo detalhe, sombras muito bem detalhadas e realistas, apenas sofrendo bastante de uma quebra de FPS durante a noite quando existem muitas tochas concentradas num espaço pequeno.

  • Já na Steam Deck, pude rodar o jogo com todas as opções em Medium, apenas reduzindo as Sombras para Low. Com a solução de upscaling ligada, a minha taxa de refresh rondava os 40-50, pelo que optei por colocar um limite de 40 FPS pelo menu do dispositivo em si para reduzir flutuações constantes. Nesta experiência mais portátil, tive alguns problemas com a visibilidade de texto em menus, alguns dips de meio segundo que ocorriam com alguma frequência, artefactos derivados do upscalling e, por fim, o pop-in de objetos era algo percetível em alguns casos. Ainda assim, tendo em conta o nível de detalhe e a escala de KCD2, esta é uma performance surpreendente para um dispositivo deste género e realça o nível de otimização alcançado pelo estúdio, trabalhando com o CryEngine para produzir imagens com boa qualidade mesmo em modos gráficos mais baixos.

Kingdom Come Deliverance II Steam DeckImagem capturada na Steam Deck

No geral, apesar de não ser um jogo com os gráficos mais intensos ou exigentes, KCD2 entrega-nos um mundo cheio de paisagens pitorescas, cidades e vilas cheias de vida e personagens bem detalhadas, dando o devido protagonismo a imagens realistas e autênticas que recriam com o máximo de detalhe e autenticidade a Boémia do século XVI. Em conjunto com todas as mecânicas de NPCs e outros sistemas dinâmicos que estão sempre a decorrer ao nosso redor, independentemente das ações de Henry, a performance é quase imaculada e mesmo sistemas mais modestos conseguem experienciar esta jornada: um verdadeiro esforço hercúleo em termos de otimização, os meus parabéns ao estúdio

No entanto, tenho que mencionar um momento em que parte da indumentária de certa personagem da história principal parece ganhar vida própria - os cintos que prendiam o casaco desse NPC começaram a espernear desenfreadamente, algo que achei hilariante e me distraiu um pouco do extenso diálogo. De resto, não tenho nada de mais a apontar.

Prós:

  • Elenco de personagens memoráveis, tanto na história principal como em missões secundárias;

  • Visuais extremamente polidos e com grande atenção a detalhes históricos e temporais;

  • Excelente trabalho de otimização, permitindo que o jogo corra não só nas máquinas topo de gama sem recurso a Frame Generation;

  • Progressão dinâmica que incentiva à exploração do mundo e das mecânicas introduzidas no jogo.

Contras:

  • Alguns bugs técnicos, visuais e sonoros presentes ocasionalmente que quebram a imersão;

  • Combate um pouco básico, destoando um pouco da complexidade do resto do jogo.

Esta medalha é para o melhor entre os melhores. São marcos, que alteram o paradigma de alguma forma e influenciam o futuro com o seu impacto e qualidade. Um jogo, filme ou produto com esta medalha será recordado no futuro pelas melhores razões.

Veredicto

Um RPG fantástico que definitivamente merece o hype gerado, com um mundo cheio de vida e personagens memoráveis, conectados por um sistema de mecânicas extremamente robusto que recebe a minha forte recomendação para fãs do género e de videojogos em geral. As únicas coisas que aponto de menos positivo são os bugs que ocorreram durante as minhas imensas horas com o jogo e o sistema de combate que podia ser um pouco mais profundo. Ainda assim, considero que esses pontos não são detratores suficientes para não se viver uma experiência de excelência por parte do Warhorse Studios e que considero ser um forte candidato a arrecadar prémios nos Game Awards, apesar do ano estar ainda a começar.

Foto de Pedro Gomes - Autor na Geekinout
Autor

Pedro Gomes

Um verdadeiro amante de videojogos desde muito cedo e sendo o seu hobby preferido sempre, o Pedro tenta agora, como um adulto irresponsável, arranjar tempo para uma jogatana quando os seus dois demónios peludos favoritos o permitem.